Entrevista: Renata Graw

Aloha!

Para edição #34 da revista abcDesign, tive o prazer e a honra de entrevistar a designer brasileira Renata Graw. Porém, parte da nossa conversa não foi publicada (ficou muito grande, pra variar), por isso vamos colocar todo o bate-papo na íntegra aqui no LOGOBR.

A introdução é da Mariana Di Addario Guimarães.

A designer carioca Renata Graw, um mês depois de graduar-se em Desenho Industrial pela PUC-Rio, começou a trabalhar no respeitadíssimo escritório Ana Couto Design. Depois dessa grande escola, como ela mesma definiu a experiência, resolveu aventurar-se em Chicago. Lá montou o escritório Plural, com o qual conseguiu reconhecimento de algumas das mais importantes instituições do design gráfico, entre elas Art Director Club, Communication Arts Magazine, Print Maganize, How Magazine, Type Director Club e AIGA.

Durante um curso de verão na Universidade da Basileia, na Suíça, quando teve a oportunidade de estudar com o grande designer e tipógrafo Wolfgang Weingert, conseguiu decidir-se sobre onde estudar o sonhado mestrado em design. E foi na sua já morada Chicago que ela optou por estudar com Philip Burton, também ex-aluno de Weingert.

Hoje, ela está começando sua carreira acadêmica como professora na UIC, aproveitando a oportunidade que a Universidade de Illinois dá aos mestrandos. Além disso, Graw está envolvida com eventos da AIGA na cidade e ainda encontra tempo para realizar trabalhos de design voluntários para instituições como The Arts of Life e Public Media Institute, além de cuidar, junto com os sócios, dos trabalhos da Plural. Nesta edição do Design Sem Fronteiras (revista abcDesign), com participação especial do designer e blogueiro Daniel Campos como entrevistador, Graw fala sobre a visão de design e trabalho adquirida em sua experiência internacional.

1) Como era sua atividade com o Design Gráfico no Brasil, antes de ir para os EUA?

Eu me formei em Desenho de Produto. Um mês depois de terminar o bacharelado, fui trabalhar no escritório Ana Couto Design como designer gráfica. O escritório da Ana foi uma escola pra mim, aprendi muito com a equipe.

2) O que te levou a estudar fora do Brasil e por que decidiu fazer um mestrado em Design Gráfico?

Eu já estava morando em Chicago há um tempo quando resolvi fazer o mestrado. Na verdade, sempre quis fazer mestrado em Design, mas a decisão sobre a escola veio durante o curso de verão na Suíça com Wolfgang Weingart. Numa visita ao arquivo do Weingart, ele apresentou o trabalho de um ex-aluno seu. Era um estudo tipográfico em forma de livro como eu nunca havia visto. Quando ele fechou o livro, eu procurei o autor e reconheci o nome: Philip Burton, um professor da Universidade de Illinois em Chicago (UIC). Como mudar para a Suíça não estava nos meus planos, apliquei para estudar na UIC com o professor Burton.

3) Qual foi o tema da sua tese? Por que esse tema?

Meu tema foi desenhar uma fonte para a cidade de Chicago para ser usada especificamente durante as Olimpíadas de 2016 (que aliás será na minha cidade natal, o Rio!) Eu estava muito interessada nas questões de espaço-tempo no design gráfico. Geralmente designers querem atingir a atemporalidade; eu quis explorar a possibilidade de associar um lugar e momento histórico ao design da fonte. Queria fazer o exercício de tradução de um lugar específico, capturando o espírito e qualidades do lugar e traduzindo-os para a fonte.

4) Lemos constantemente que a diferença entre o ensino, aulas, professores e instituições no Brasil e EUA (e demais países que investem em educação) é gritante. Mas como é isso na prática?

Assim como no Brasil, existem muitas escolas superiores de design nos EUA. As melhores escolas geralmente são mais caras e têm mais candidatos, tornando o processo de seleção mais competitivo. Essas escolas produzem mais “talentos”, melhores portfólios e têm um número maior de pessoas entrando no mercado de trabalho. A faculdade aqui é muitas vezes vista como um investimento na carreira. As melhores escolas têm mais acesso a melhores professores e muitas vezes a melhores equipamentos.

5) Você estudou com Wolfgang Weingart na Suíça. Como foi isso? Por que a Suíça e por que Weingart?

A pergunta é por que não. Weingart é um grande professor de tipografia. Infelizmente ele já se aposentou da escola de design da Basileia. Quando vi que ele estava oferecendo cursos de verão, não tive dúvida, apliquei. Tudo que tinha aprendido antes de estudar com Weingart tinha sido na prática, trabalhando com design, então eu não podia deixar passar uma oportunidade dessas.

6) O livro History of Graphic Design, de Philip B. Meegs e Alston W. Purvis (História do Design Gráfico Ed. CosacNaify no Brasil), diz que Weingart defende o “enfoque Gutenberg” na comunicação gráfica: os  designers, como os primeiros tipógrafos, devem envolver-se em todos os aspectos do processo (conceito, composição, produção, pré-impressão e impressão) para garantir a realização do seu ponto de vista. Você, como aluna dele, acredita e trabalha com esse enfoque?

Eu acredito que é muito importante entender os processos de produção para atingir um bom resultado em qualquer projeto. Mas também acredito que a brincadeira e experimentação são fundamentais para o design. Às vezes, um designer que não sabe o que está fazendo tem um resultado muito bom, porque não conhece as restrições do meio.

7) Paula Scher (que aliás refutava o Estilo Internacional), em palestra aqui no Brasil em abril de 2010, disse que ela mesma conversa com o cliente, faz o briefing e que apresenta seus trabalhos. Tal visão do processo de trabalho no design, tanto da Paula como de Weigart, é quase impraticável dentro da maioria dos estúdios/agências brasileiras. Isso acontece por diversos motivos, mas o principal talvez seja a estrutura dessas empresas (prospecção, atendimento, criação, produção, etc.) Você acredita que para trabalhar da forma pregada por Paula e Weigart, é preciso ter um nome forte no mercado? Como as empresas/profissionais poderiam aderir a esse “enfoque Gutenberg”?

Paula Scher, no primeiro capítulo de seu livro “Make it bigger”, conta que no começo de sua carreira seus trabalhos passavam por muitas mudanças antes de serem aprovados. Nesse processo ela descobriu que se ela mostrasse o trabalho para a pessoa certa dentro da hierarquia, o layout seria aprovado imediatamente. Ninguém quer passar tempo discutindo os detalhes dos projetos – ou você acerta logo de cara ou o projeto se torna uma negociação dos pequenos detalhes. Quanto mais pessoas envolvidas, maior o nível de detalhe a ser negociado, o que muitas vezes coloca em risco a ideia principal.

8 ) Ainda citando o livro de Philip B. Meegs e Alston W. Purvis, Weigart pensa, desde 1968, quando se tornou professor na Escola da Basiléia, que talvez o Estilo Internacional tenha sido tão refinado e dominante em todo o  mundo que entrou numa fase anêmica. Compartilha dessa visão também? Por quê?

Weingar me disse pessoalmente que quando ele começou a dar aula na Escola da Basileia ele queria “colocar fogo na pedagogia de Emil Ruder e Armin Hoffman”. O Estilo Internacional acredita na objetividade e na simplicidade do design. Weingart é muito mais subjetivo que Hoffman e Ruder. Eu acredito que o “estilo internacional” foi um momento importante no contexto das artes e da arquitetura. Em 1968, quando ele começou a dar aulas, o mundo já estava mudando, o modernismo já não era uma ideia totalmente nova.

9) O que aprendeu de mais valioso na Suíça?

Aprendi a experimentar usando restrições. Quando você faz o mesmo exercício, nas primeiras 10 ou 15 vezes seu trabalho sai todo meio igual. Depois de 20 ou 30 vezes ele começa a mudar, o cérebro vai achando novas maneiras de representar o mesmo conteúdo de formas diferentes.

10) Hoje você também é professora de tipografia e design na Universade de Illinois em Chigado. Como e por que partiu para a carreira acadêmica?

Na verdade, eu sou professora adjunta, não sou parte do quadro. Durante o mestrado comecei a carreira acadêmica. A UIC oferece essa oportunidade para os alunos de mestrado e eu aproveitei. 

11) Como é o programa pedagógico da UIC em relação ao Design?

Todos os professores do quadro da UIC fizeram mestrado na Basileia ou em Yale, portanto a pedagogia segue um formalismo tipográfico e restrito. O curso de bachalerado tem um enfoque em forma e tipografia. Já no curso de mestrado, o enfoque é mais experimental e conceitual.

12) Como você prepara e ministra suas aulas? A Universidade dá liberdade nesse processo?

A universidade me dá liberdade nas aulas desde que os alunos aprendam o currículo que deve ser ensinado naquela matéria. Eu defino meus exercícios e em reuniões com os professores apresento minhas ideias. Ainda não tive exercício vetado.

13) Alguns dizem que compensa muito mais fazer cursos de pós-graduação fora do Brasil do que aqui, principalmente se for levada em consideração a relação de custos X benefícios (experiência, networking, nova cultura, novas possibilidades). Você concorda com isso? Por quê?

Não tenho certeza, é dificil responder sem ter a experiência do Brasil. Mas posso afirmar que o networking da universidade ajudou muito no sucesso da minha empresa. O importante é fazer o mestrado numa escola em que você acredita.

14) Ericson Straub diz que para se fundar uma empresa deve-se acreditar em algo. O que motivou você a abrir a Plural?

Acredito, como a Paula Scher, que o autor deve defender sua obra. Cansei de trabalhar em agências onde meu trabalho era picotado em partes por outras pessoas. A relação “commisioner x designer” é muito importante pra mim. Se o diálogo tem ruído, o processo se complica.

15) Como foram os primeiros jobs da Plural? E para você, pessoalmente, como foi (re)começar a carreira num país estrangeiro?

Recomeçar foi ótimo, muito melhor do que começar. Quando eu vim para Chicago, não tinha contatos, não conhecia a cidade. É muito dificil engressar num mercado totalmente novo. Depois do mestrado eu tive muitas indicações de professores e amigos na cidade. O networking realmente ajudou.

16) Sem querer partir para clichês (de minha parte), o que diferencia a Plural dos outros estúdios de design?

Na Plural acreditamos que a solução deve partir do conteúdo. Não queremos vender estilo, queremos vender ideias e processo de criação.

17) Algo que fica claro ao se apreciar o portfólio da Plural, mesmo que rapidamente, é o gosto pela experimentação que o estúdio possui (talvez herança de Weigart). Você acredita na experimentação como motor da inovação?

Acredito. Na Plural estamos sempre experimentado, brincando, sem medo de errar.

18) E os clientes da Plural, como é a relação com eles?

Depende do cliente. Temos clientes que nos deixam pirar, experimentar à vontade, outros gostam de controlar o processo.

19) Deixam o estúdio trabalhar? Não são do tipo “diretor de arte”?

Todo cliente é diretor de arte. Na Plural nós acreditamos na colaboração. O cliente geralmente dá opinião quando a solução não está satisfatória. O importante é descobrir por quê, e ajustar. Estamos abertos a ideias e questionamentos. Mas também sabemos que nós somos os especialistas e deixamos claro para o cliente que ele está nos pagando por esse know how.

20) No Brasil se atrela muito o título Diretor de Arte com Publicitário. Deixando esse fato brasileiro de lado, existe design gráfico sem direção de arte? Todo designer é (ou deveria ser) um diretor de arte?

Na verdade acho essa onda de títulos uma formalidade sem sentido. Na Plural todo mundo faz tudo, não temos títulos nos nossos cartões de visita.

21) Renata, você poderia comentar sobre alguns projetos que você considere primordiais na sua história e do estúdio?

Whistler Project

No ano passado fizemos uma instalação na vitrine do Whistler, um bar em Chicago. O brief era bem simples: “a vitrine é de vocês por dois meses, façam dela o que quiserem”. Não estávamos interessados em trazer um projeto pronto e encher o espaço. Acreditamos que o projeto deve sempre ser “site specific”, refletindo a colaboração entre “commisioner” e “designer”.

A solução veio depois de várias visitas ao local. Nós fotografamos todos os objetos encontrados no bar, tomando cuidado para não perdermos o senso de escala entre eles. Depois os reproduzimos em uma coleção de silhuetas pretas cortadas em vinil, mantendo a escala 1:1 dos objetos. A vitrine se transformou numa coleção de formas que poderiam ser encontradas no bar (todos os objetos inanimados do lugar).

Atrás da aplicação de vinil, nas janelas, fizemos uma instalação interativa: um microfone capturava o som ambiente do bar e, de acordo com o nível do barulho, uma luz projetada mudava de azul para vermelho passando por um spectrum de cores. A luz traduzia a energia do lugar.

Uma pequena publicação explicando o processo do projeto foi distribuída gratuitamente durante a duração da instalação. Esse projeto trouxe muitos dos nossos atuais clientes, como Lumpen Magazine e Volume Gallery, que viram nossa instalação no bar e nos acharam. Aliás, o Whistler também virou cliente da Plural. O vídeo da instalação pode ser visto abaixo.

http://weareplural.com/#whistlervideo

http://weareplural.com/#whistler

Logotipo: Isabela Capeto

Esse não é um projeto da Plural por si, mas considero fundamental para a minha carreira como designer. Fiz o logo para a Isabela Capeto de Chicago, em 2003. Isabela é amiga de infância e me pediu que eu fizesse o logo da marca que ela estava lançando. Nessa época eu estava trabalhando para uma agência grande em Chicago, minhas ideias não iam muito longe.

A marca apareceu pra mim quase que instantaneamente: uma boneca com cara de botão. Minha memória da Isabela era sempre desenhando bonecas. Fiz a minha interpretação da boneca, e ela aprovou. A tipografia foi mais demorada, ela me pediu um script mas eu não gostei muito da ideia, procurei muitos scripts e não achei nada que se encaixase com ela. Aí um dia abri um bilhete escrito por ela e vi a personalidade da Isabela na minha frente, a caligrafia da Isabela foi inspiração para a tipografia. A marca teve uma afinidade instantânea com o público da loja e virou chaveiro, estampa de roupa, vidro de perfume, estampa de carro. Foi a primeira vez que eu submeti um trabalho meu para um concurso de revista (Communication Arts e Print Magazine) e a marca foi publicada nas duas. O reconhecimento me deu confiança de mudar o rumo da minha carreira. Um ano depois sai da agência e fui estudar na Suíça.

22) Como você vende o trabalho da Plural? Aliás, o que você vende ao cliente: uma marca, prazo, retorno, um processo, expertise…?

Vendemos nosso processo e expertise, queremos ser consultores e não apenas vender serviço.

23) A Plural tem diversos prêmios e reconhecimento de entidades e publicações a nível mundial, entre eles Art Director Club, Eye Magazine, Print Maganize, How Magazine, Type Director Club e AIGA. Qual é o impacto que tal reconhecimento e exposição gera no estúdio?

Prêmio é importante até um certo ponto, traz reconhecimento entre outros designers e de vez em quando traz também outros trabalhos.

24) Em 2010 a Plural esteve envolvida com diversos trabalhos pro-bono. O que leva o estúdio a esses trabalhos?

O projeto pro-bono pode trazer possibilidades de experimentação. Ou pode trazer satisfação em saber que estamos participando para ajudar uma instituição que trabalha para melhorar a sociedade.

Fazemos quando acreditamos na mensagem, no colaborador ou na instituição.

25) Você nos disse que a Plural está fazendo trabalhos para clientes que viram os projetos do estúdio e se interessaram por vocês e pelo processo. Que processo é esse que atrai clientes?

Nós acreditamos que o conteúdo deve ser o gerador da solução, não vendemos estilo, vendemos o processo de tradução de conteúdo para forma.

26) Além do seu trabalho na Plural e das aulas na UIC, você desenvolve outras atividades relacionadas ao Design?

Eu estou envolvida com a AIGA aqui em Chicago, estou participando da organização da festa dos membros de 2011. Este é o maior evento anual da AIGA Chicago.

27) Como é a receptividade a designers/estudantes brasileiros no exterior?

Minha experiência sempre foi positiva.

28) Você tem algum conselho para quem deseja estudar/trabalhar com design gráfico fora do Brasil?

Nem toda escola é igual. Faça uma pesquisa sobre os professores, sobre a cidade onde vai morar. Se possível, visite pessoalmente e converse com ex-alunos. Quanto mais você souber antes de vir, melhor.

Não deixe de conhecer o portfólio completo da Plural.


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