Design virou commodity

Ir para Londres é uma experiência estranha. Se existe algum lugar no mundo onde o design virou obrigação é lá. Parece clichê, até bobagem dizer algo assim, mas do momento em que pisamos no aeroporto de Heathrow até o momento que … pisamos de volta no aeroporto de Heathrow, somos bombardeados por bom design. E não estou falando apenas da estética das coisas, mas que fique claro, também me refiro muito a isso. A palavra aqui é solução.

Faz pouco mais de 2 semanas que retornei de lá após o encontro global de nossa empresa e a constatação conversando com toda nossa equipe que também passou a semana lá foi unânime: temos um longo caminho pela frente aqui no Brasil. Citarei alguns breves exemplos que valem a pena ser compartilhados.

M&S – Simply Food

Já no aeroporto encontra-se um dos meus lugares preferidos de Londres: a loja especializada em comidas da rede Marks&Spencer. Se você já se pegou comprando produtos apenas por suas embalagens, então minha recomendação é que você passe longe desse lugar. Trata-se do melhor exemplo de gestão de design e branding que eu já tive contato, uma simples passeada nos seus corredores e você, mesmo já tendo comido algo, se vê com vontade de experimentar desde wraps de avocado até batatas chips industrializadas. Se você acha que estou de brincadeira, dê uma olhada na embalagem desses produtos …

 

Hotel Town Hall

Para quem gosta de arquitetura e design de interiores, esse é o exemplo que não poderia faltar. Descobrimos por lá um hotel que antigamente era sede da prefeitura da região onde estávamos, o qual foi completamente reformado para se transformar em um hotel. O contraste do antigo com o extremamente novo para mim é inexplicavelmente bonito e na Europa sabe-se administrar isso como em poucos lugares. Vou evitar falar muito sobre o hotel, as fotos falam por si só …

 

Flower Market

Perto do hotel havia um mercado de flores e decidimos conferir. Ao chegar, uma daquelas sensações inesperadas de quem descobre algo fora do roteiro tradicional londrino. Uma rua repleta de floricultores gritando na briga por se desfazer do maior número de flores e plantas possível, em um contexto tipicamente britânico. O melhor, tudo isso em uma rua onde ateliês de jovens estilistas se misturam com cafés e pequenas lojas de decoração. Ao caminhar pelas pouco mais de duas quadras que o mercado ocupava vimos desde um vídeo musical independente sendo gravado até uma intervenção feita por uma pessoa fantasiada com uma cabeça de lobo gigante costurando no segundo andar de uma das lojas.

 

Southbank

Partindo para regiões mais turísticas, o que se vê claramente é que o design está em todos os lugares. Chegar em Southbank, seja atravessando a linda ponte peatonal Golden Jubilee desde a estação de metrô do outro lado do rio, ou passando por baixo dos trilhos do trem vindo de Waterloo a cena sempre se repete: somos surpreendidos por soluções simples e interessantes que algumas vezes tornam nossas vidas mais fáceis ou as vezes nos fazem refletir sobre determinadas coisas. Um exemplo de produto dessa última categoria é um estacionamento para bicicletas que ocupa a vaga de um carro na rua. Para passar uma mensagem de que uma pessoa em um carro é um desperdício ou, claramente, que bicicletas são mais sustentáveis, essa solução foi transformada em … uma silhueta de um carro. Genial, não?

 

Mas não precisamos parar aí, pois outros pontos surpreendentes dessa jornada estão desde a visualização da informação em totens urbanos mostrando mapas da região (como se a cidade fosse um verdadeiro shopping a céu aberto) e o excelente restaurante indiano pop-up Dishoom, um dos lugares mais cools que tive a oportunidade de ir enquanto estive em Londres.

 

Serviço de imigração IRIS

Como não poderia deixar de ser, é claro que vou dar um exemplo de um serviço. Na live|work temos um conceito que chamamos de Service Envy ou “serviços de darem inveja”. O objetivo básico é o seguinte: por que não criar serviços que as pessoas que o utilizem tenham orgulho de fazê-lo e as pessoas que não tenham acesso a esse serviço o desejem? Indo um pouco mais longe, como podemos fazer com que empresas concorrentes tenham inveja do serviço prestado e das soluções propostas por nossos clientes? Evite pensar no mercado de luxo, estou longe de me referir a esse tipo de acesso. Talvez, sim, aquela inveja que nós brasileiros possamos ter por europeus conseguirem utilizar o Spotify ou os americanos a Netflix …

Nesse caso de Service Envy, um dos exemplos de serviço que eu senti na pele logo na chegada a Londres foi IRIS, da BAA (A Infraero de lá). Enquanto meros mortais enfrentavam filas enormes para passar pela imigração (incluindo ingleses e passageiros de primeira classe), a BAA criou um serviço que permite que o usuário cadastrado em seu sistema atravesse, sem filas, por uma cabine com um leitor ótico que torna o processo de registro de entrada no país a prova de fraude, mais exato e rápido. Bom para o aeroporto, para as autoridades e para o passageiro. Ver aquelas pessoas cadastradas passarem em 5 segundos pela imigração enquanto eu tive que esperar 50 minutos em uma fila foi a experiência mais assustadora relacionada a Service Envy que já tive.


O mais impressionante de tudo é que Londres está recheado de histórias assim e tive que parar de escrever apenas porque percebi que não sei até onde esse texto me levaria (e quanto tempo mais eu continuaria lembrando de exemplos interessantes). A questão fundamental aqui é: sabe aquela lojinha de esquina? Tem design. Sabe aquele produto direcionado para classes menos privilegiadas da população? Também tem design. Sabe aquele serviço público que você está acostumado a não esperar nada dele? Incrivelmente, tem design.

Existe uma exigência por bons produtos e claramente isso se reflete na qualidade dos materiais, na forma como eles funcionam e, claro, na forma como se apresentam para o consumidor. Continuaremos longe desse patamar enquanto tivermos pessoas dispostas a pagar apenas o preço mais barato sem se importar com a qualidade do que estão comprando (o famoso barato que sai caro). E, também, enquanto estiverem do outro lado do balcão empresários em busca da maximização constante de seus lucros à qualquer custo (mesmo que isso signifique estimular a massificação do mau gosto). A retórica do “tem que ser feio/ruim/barato porque meu público gosta assim” deve ser combatida e nosso papel como designers é questionar constantemente esse pressuposto. Londres é um bom exemplo a ser seguido. Em Londres, quem diria, design virou commodity.


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Comentários

11 respostas para “Design virou commodity”

  1. Avatar de Edu Agni

    Achei o estacionamento para bicicletas genial 🙂

  2. Avatar de Daniel Campos
    Daniel Campos

    Na palestra que a Marina Willer, diretora de criação da Wolff Olins, deu aqui no Brasil esse ano, ela disse que os britânicos entendem o branding e o design de uma forma muito mais profunda do que os brasileiros. Se nossa ‘estrela’ é a publicidade, lá é o design.

  3. Avatar de Lígia Fascioni

    Oi, Daniel!
    E você foi generoso deixando de fora o inferno que é a imigração no aeroporto de Guarulhos – dá vontade de dar meia-volta e sumir…eheheh
    Mas estranhei que ficou de fora aquela lojinha sen-sa-ci-o-nal no aerporto de Heathrow (eplo menos tem uma no terminal 5): a Pret a Manger. Aquelas embalagens são uma aula de design à parte!
    Abraços e sucesso 🙂

    1. Avatar de Daniel Campos
      Daniel Campos

      Oi Lígia!
      Que honra poder contar com sua participação por aqui. Obrigado! Só uma correção: esse texto não é meu, e sim do Luis Alt. 😉

  4. Avatar de Douglas Cavendish

    Esse artigo me fez para e pensar muito no que eu vejo no meu dia a dia. Sério!

    Percebi que realmente podemos pensar em coisas simples, em lugares simples, e começar a mudar estes contextos menores antes de querer agir massivamente. Se o ser humano estiver no centro deste pensamento um Brasil naturalmente voltado ao design pode ser um realidade em breve.

  5. Avatar de Alessandra Caldeira
    Alessandra Caldeira

    kkkk bem que poderia ser assim aqui em terras tupiniquins!

  6. Avatar de Renata Veiga

    Tambem estive em Londres nas ultimas semanas e o que me surpreendeu foi o departamento de design gráfico do Underground. Todos os lugares com obras estavam devidamente sinalizados com imagens do logo do “Underground” em processo de renderizaçao, como se estivesse inacabado e com a frase ‘estamos trabalhando para melhorias” ou algo do tipo…achei genial!

  7. Avatar de Marcio

    Luis Alt, parabéns! Post sensacional!!! Espero que compartilhe mais experiências de Londres.

  8. Avatar de Nene Guimaraes

    Luis Alt, você mandou muito bem. Além do conteúdo, a atitude sábia
    de compartilhar na rede. Não há evolução sozinho, o mundo precisa
    desta sua mensagem, parabéns.
    Estudei branding em Brunel, Londres.

  9. Avatar de Rafael de Azevedo

    “A questão fundamental aqui é: sabe aquela lojinha de esquina? Tem design. Sabe aquele produto direcionado para classes menos privilegiadas da população? Também tem design. Sabe aquele serviço público que você está acostumado a não esperar nada dele? Incrivelmente, tem design.”

    Não pude deixar de linkar essa colocação no final do texto ao episódio recente das “london riots”, marcada pela massa de jovens consumidores revoltados saqueando produtos forjados por grandes marcas enquanto deixavam as livrarias, curiosamente, intocadas.

    Não parece ser coincidência que a revolta tenha ocorrido em um cenário como o descrito, onde mesmo “aquele produto direcionado para classes menos privilegiadas da população” tem design. Será que é mesmo tão idílica e invejável essa paisagem onde estratégias de diferenciação e sistemas de construção do desejo são tão onipresentes?

    Longe de querer banir a publicidade ou tornar o branding do comércio de rua londrino sem atrativos. Até porque, se essas revoltas ensinaram algo ao design, é que o que os estúdios e agências tem feito (ao menos, o que tem sido bem feito) funciona muito bem. Mas é importante notar como o mais interessante de tudo o que foi documentado neste post são as ideias que trazem algo de inovador à esfera pública. Esse capital social gerado pelo design é o que se pode oferecer de mais valioso e promovê-lo talvez seja o futuro da profissão do designer.

  10. Avatar de Beth Tropia
    Beth Tropia

    Achei o post genial, super bem feito e enquanto eu lia, sinceramente, viajei até Londres. Tenho muita vontade de ir lá me inspirar nestas idéias geniais! Parabéns mesmo!

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