Eu havia programado iniciar minha participação formal como editora do LOGOBR evidentemente com um post que envolvesse design e, naturalmente, a minha área de atuação, que é a Propriedade Intelectual.
Contudo, as últimas notícias e movimentações envolvendo o ECADe a cobrança de direitos autorais sobre a disponibilização em blogs de arquivos de vídeos sonorizados, me fez alterar a pauta, para contribuir com um tema que considero relevante a todos os blogueiros e usuários da internet em geral: o ECAD, a música e os blogs.
Glória Braga, Superintendente do ECAD
A polêmica começou quando o site Caligrafitti recebeu do ECAD um e-mail informando da necessidade de pagamento de direitos autorais pelo compartilhamento de vídeos do YouTube. Eles, em seu próprio blog, postaram sua indignação na net, para o que considerava uma conduta abusiva.
Essa manifestação (que acabou virando um verdadeiro “Manifesto”), intitulada “Por uma Internet Livre!”, espalhou-se rapidamente pelas redes sociais e reforçou o “grande questionamento” em torno do papel do ECAD e sua forma de atuação, tida por muitos como contrária à liberdade de informação na Internet.
O ECAD, por seu turno, publicou uma resposta.
Antes de falarmos especificamente do episódio que deu causa a este post, creio que seja interessante começarmos por esclarecer um primeiro ponto:
O que é o ECAD?
O ECAD, sigla designativa do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, surgiu em 1977, autorizado pela antiga Lei de Direitos Autorais (Lei 5.988, de 14 de Dezembro de 1973), como um órgão de gestão coletiva de direito autorais de obras musicais, e hoje mantido pela Lei 9.610, de 19 de Fevereiro de 1998, atual Lei de Direitos Autorais.
Basicamente, o ECAD é responsável pela arrecadação de direitos autorais provenientes da execução pública de obras musicais no Brasil. Sua criação é legítima, e tem, por lei, a função de realizar a cobrança de direitos autorais de todas as pessoas, físicas ou jurídicas, que executem músicas publicamente em território nacional.
Temos então o seguinte esquema de arrecadação: os titulares de direitos autorais de música se associam a uma das nove associações que compõem o ECAD e este faz a cobrança dos direitos autorais de todas as músicas executadas publicamente em todo o Brasil. Após a arrecadação dos valores referentes aos direitos autorais, o ECAD deve repassá-los às mencionadas Associações, as quais tem o dever de pagar seus associados, que são os autores e compositores musicais, editores Musicais, intérpretes, músicos acompanhantes, produtores fonográficos e empresas de radiodifusão, dentre outros, cada qual recebendo um percentual dos recursos arrecadados.
A fonte de recursos é, como comentado, a execução pública de músicas pelos chamados “Usuários de Música”, definidos pelo próprio ECAD, como:
Pessoas físicas ou jurídicas, que utilizam música publicamente, entre eles:
Promotores de eventos e audições públicas (shows em geral, circo e etc), cinemas e similares, emissoras de radiodifusão (rádios e televisões de sinal aberto), emissoras de televisão por assinatura, boates, clubes, lojas comerciais, micaretas, trios, desfiles de escola de samba, estabelecimentos industriais, hotéis e motéis, supermercados, restaurantes, bares, botequins, shoppings centers, aeronaves, navios, trens, ônibus, salões de beleza, escritórios, consultórios e clínicas, pessoas físicas ou jurídicas que disponibilizem músicas na internet, academias de ginástica, empresas prestadoras de serviço de espera telefônica, ringtones e truetones.
[grifos meus em negrito]
Para quem tiver interesse na leitura de legislação sobre o tema, separei alguns artigos da atual Lei de Direitos Autorais que embasam a cobrança, pelo ECAD, dos direitos autorais por execução pública de obras musicais, os quais estão disponíveis para consulta no final deste post.
Voltando ao assunto central, ou seja, a cobrança de direitos autorais sobre o compartilhamento, pelos blogs, de vídeos sonorizados provenientes de programas como o YouTube, a leitura da legislação poderia, num primeiro momento, dar razão ao ECAD.
Todavia, analisando-se a situação em concreto, chegamos a conclusão de que o direito de cobrança reclamado pelo ECAD não se sustenta em nossa legislação, pelas razões mencionadas a seguir.
O ECAD alega que, ao disponibilizar vídeos sonorizados provenientes do YouTube ou outros sites dessa natureza, o blog estaria realizando uma “nova” execução das obras musicais, o que ensejaria, sob este ponto de vista, a obrigação de pagamento de direitos autorais pelo próprio blog.
Note-se que a disponibilização do vídeo pelo YouTube já estaria sendo remunerada por um acordo formalizado entre ECAD e Google, proprietário do YouTube, e compartilhamentos de qualquer vídeo, segundo o ECAD, deveriam ser objeto de nova cobrança de direitos autorais.
De fato, a nossa Lei de Direitos Autorais, em seu art. 31, prevê que as diversas modalidades de utilização de obras protegidas por direitos autorais são independentes entre si, de forma que, para cada uso realizado, uma autorização de seu titular deve ser expressamente concedida, ensejando-se, pois, a devida remuneração.
Contudo, no meu entendimento, quando o blogueiro posta um vídeo proveniente, por exemplo, do YouTube, ele não está fazendo um novo uso, mas sim disponibilzando tão somente um link de vídeo do próprio YouTube no seu blog.
Aparentemente, temos a sensação de que o vídeo foi ilicitamente apropriado pelo blogueiro, já que está disponível diretamente no blog. Entretanto, isso não é o que de fato ocorre – quando compartilha-se um vídeo do YouTube, postamos, repetindo, o link que dá acesso ao vídeo, e não o vídeo em si. Não há, portanto, apropriação de conteúdo alheio e/ou nova utilização do mesmo vídeo, mas sim mera disponibilização deste, razão pela qual inexistem razões para uma nova cobrança por parte do ECAD.
Tenha-se em mente ainda que o próprio YouTube, objetivando oferecer maior conforto a todos aqueles que navegam na internet, permite que o vídeo seja exibido na própria página onde se quer compartilhar o vídeo, sem necessidade do usuário ter que abrir uma nova janela e ir ao site do YouTube para assisti-lo.
Nesse contexto, se o YouTube já pagou ao ECAD para a exibição do mencionado vídeo, porque deveria o blog pagar novamente por uma mera disponibilização de um link? Seria pagar 2 vezes por algo que já foi pago, e tal fato não encontra fundamento na legislação de direitos autorais em vigor.
Na hipótese de seguirmos o mesmo raciocínio proposto pelo ECAD, todos nós, pessoas físicas e jurídicas que, por qualquer razão, compartilhássemos vídeos em redes sociais tais como o Facebook, por exemplo, estaríamos sujeitos ao pagamento de direitos autorais por cada execução pública de obras musicais.
Configura-se, portanto, uma situação totalmente descabida, e confronta com a própria natureza da internet: o de compartilhamento e troca de informações, pela prática da liberdade de expressão, tida como princípio garantido pela nossa Constituição Federal.
É importante ficar bastante claro que não estou aqui, de forma alguma, contribuindo com o discurso de que o uso indiscriminado de obras na internet é livre, na medida em que, como profissional atuante na área de Propriedade Intelectual, não posso compactuar com tal ideia, pois parto do princípio de que todos os criadores devem ser de alguma forma recompensados pelo uso de suas obras intelectuais. Caso contrário, a fonte de criação tenderia a se esgotar, em razão da falta de estímulo à criação e à inovação.
Acredito que existe um desconhecimento por parte do ECAD dos mecanismos da internet e de suas aplicações técnicas, para que se justifique “confundir” uma simples disponibilização de link com um novo uso de obra intelectual.
Aliada a este fato, não posso deixar de ressaltar a atitude sempre “voraz” e polêmica do ECAD, na tentativa desenfreada de cobrança de direitos autorais a qualquer custo, o que culminou inclusive, na instalação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar possíveis irregularidades na arrecadação de direitos autorais, ainda em trâmite no Senado Federal.
A orientação que gostaria de deixar aqui é a de que não sejam efetuados quaisquer pagamentos ao ECAD pelo compartilhamento de arquivos de vídeo sem antes se averiguar, cuidadosamente, se o objeto da cobrança é, de fato, a mera disponibilização de links de vídeo provenientes do YouTube e sites afins, a qual é totalmente indevida, pelos motivos acima mencionados.
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LEI DE DIREITOS AUTORAIS – ARTIGOS RELACIONADOS AO ECAD.
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I – publicação – o oferecimento de obra literária, artística ou científica ao conhecimento do público, com o consentimento do autor, ou de qualquer outro titular de direito de autor, por qualquer forma ou processo;
II – transmissão ou emissão – a difusão de sons ou de sons e imagens, por meio de ondas radioelétricas; sinais de satélite; fio, cabo ou outro condutor; meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético;
III – retransmissão – a emissão simultânea da transmissão de uma empresa por outra;
IV – distribuição – a colocação à disposição do público do original ou cópia de obras literárias, artísticas ou científicas, interpretações ou execuções fixadas e fonogramas, mediante a venda, locação ou qualquer outra forma de transferência de propriedade ou posse;
V – comunicação ao público – ato mediante o qual a obra é colocada ao alcance do público, por qualquer meio ou procedimento e que não consista na distribuição de exemplares;
VI – reprodução – a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou científica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento permanente ou temporário por meios eletrônicos ou qualquer outro meio de fixação que venha a ser desenvolvido;
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IX – fonograma – toda fixação de sons de uma execução ou interpretação ou de outros sons, ou de uma representação de sons que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual;
X – editor – a pessoa física ou jurídica à qual se atribui o direito exclusivo de reprodução da obra e o dever de divulgá-la, nos limites previstos no contrato de edição;
XI – produtor – a pessoa física ou jurídica que toma a iniciativa e tem a responsabilidade econômica da primeira fixação do fonograma ou da obra audiovisual, qualquer que seja a natureza do suporte utilizado;
XII – radiodifusão – a transmissão sem fio, inclusive por satélites, de sons ou imagens e sons ou das representações desses, para recepção ao público e a transmissão de sinais codificados, quando os meios de decodificação sejam oferecidos ao público pelo organismo de radiodifusão ou com seu consentimento;
XIII – artistas intérpretes ou executantes – todos os atores, cantores, músicos, bailarinos ou outras pessoas que representem um papel, cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem em qualquer forma obras literárias ou artísticas ou expressões do folclore.
Art. 31. As diversas modalidades de utilização de obras literárias, artísticas ou científicas ou de fonogramas são independentes entre si, e a autorização concedida pelo autor, ou pelo produtor, respectivamente, não se estende a quaisquer das demais.
Art. 97. Para o exercício e defesa de seus direitos, podem os autores e os titulares de direitos conexos associar-se sem intuito de lucro.
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Art. 98. Com o ato de filiação, as associações tornam-se mandatárias de seus associados para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para sua cobrança.
……………………………………………………………………………………………Art. 99. As associações manterão um único escritório central para a arrecadação e distribuição, em comum, dos direitos relativos à execução pública das obras musicais e lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais.
§ 1º O escritório central organizado na forma prevista neste artigo não terá finalidade de lucro e será dirigido e administrado pelas associações que o integrem.
§ 2º O escritório central e as associações a que se refere este Título atuarão em juízo e fora dele em seus próprios nomes como substitutos processuais dos titulares a eles vinculados.
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§ 4º O escritório central poderá manter fiscais, aos quais é vedado receber do empresário numerário a qualquer título.[grifos meus em negrito]
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