Aloha!
Complexidade. O dicionário de língua portuguesa nos ensina que essa palavra indica, entre tantas outras coisas, característica do que é de difícil compreensão ou entendimento; qualidade do que é difícil, complicado, confuso; qualidade daquilo que possui múltiplos aspectos ou elementos cuja as relações são incompreensíveis.
Falar sobre complexidade e Design dá muito pano para manga. Existem alguns livros que falam sobre essa relação; diversos profissionais que, com suas experiências, tem suas visões. Contratantes de serviços de Design usam da complexidade (ou aparente ausência dela) como estratégia de barateamento de projetos; designers usam dela como atestado de competência… enfim, a relação entre essa palavrinha e nossa profissão é indivisível.
O texto de hoje é decorrente de uma conversa interessante que tive há algumas semanas com o gestor de empresa que estava nos prospectando para um trabalho. Ele é empreendedor no ramo de baterias para automóveis e está passando por inúmeros problemas resultantes de um vírus muito comum nas empresas: o brandlis fragmenteds, conhecido popularmente por uma marca fragmentada.
E não foi necessário muito tempo para o diagnóstico, uma vez que os sintomas da doença causada por esse vírus eram claros: com alguns anos de vida a empresa já teve mais de 10 logos diferentes (eu disse DEZ!); nesse meio tempo ele contratou diversos “profissionais” que nunca resolveram o problema, que apenas lançavam novas versões e novos símbolos. Isso criou um efeito cascata: produtos, fachadas, plataformas digitais, carros, impressos, publicidade, embalagens e tudo mais com versões diferentes do logo e grafismos diversos, sem nenhuma unidade, sem impacto, sem poder de comunicação. Sem identidade. Um situação que, segundo ele, gera incômodo nos clientes da empresa!
Ao questiona-lo sobre a razão dessa (não) gestão e total indefinição em escolher um logo (que é apenas um detalhe no problema que a empresa tem), ele foi categórico: a causa era a “falta de criatividade” dos contratados.
A falta de identidade, de coesão, de definição e de impacto na minha marca só acontece por que não encontrei um profissional que tenha “criatividade suficiente” para resolver isso para mim, para fazer algo complexo e definitivo.
Empreendedor
Nesse momento tive a oportunidade de falar com ele sobre minha visão do que é complexidade no design.
Seria a complexidade no Design Gráfico algo visto na solução em si?
Bem, primeiro precisamos entender que Design não é só o visual, não é apenas o resultado. É todo o processo e decisões envolvidos nisso. Mais que isso: Design é resolver problemas.
Sempre existiu e existirá essa coisa de que “o que é criativo é o complexo, difícil de ser entendido e reproduzido”. Pode até ser verdade em outros campos de trabalho, mas não no Design, não no Design de identidades de marca. Na visão desse empreendedor (e também muitos colegas designers), ser um bom designer é fazer as peças visuais mais mirabolantes e impossíveis. Quanto mais complexo o desenho/ícone/identidade for, melhor designer o cara é. Melhor o projeto é.
Peço perdão aos meus coleguinhas, mas minha visão é bem o oposto disso.
Calma, não estou dizendo que fazer Design é simples. Ao contrário, é um trabalho complexo sim. O trabalho é complexo, mas não significa que a forma resultante dele também precisa ser.
Para esse empreendedor, pude citar uma das marcas concorrente dele: a ACDelco, empresa multinacional de origem estadunidense. Ao cita-la, pedi para que ele me descrevesse o logo da ACDelco de cabeça, se fosse possível. Ele o fez e, após alguns segundos de silêncio, exclamou:
“É ridículo de simples o desenho”.
Yeah! É disso que estou falando: o resultado final do logo é o nome (com um detalhe no A e D) e uma linha que sai do grosso ao fino de uma ponta a outra em cor vermelho. E só! Acabou. Ponto final.
O cerne do meu questionamento hoje é esse: quando foi que, para um projeto de identidade de marca ser considerado bom, tornou-se necessário formas que fossem consideradas complexas?
Consumidor: o reles mortal que não entende de Design, para o qual fazemos Design
É sempre difícil falar e fazer o mercado compreender isso, mas não projetamos para nossos clientes, projetamos para os consumidores dos nossos clientes. E no fim da história o consumidor está pouco se lixando para as formas do nosso logo. Ele não liga pra isso, ele não deixa de comprar com felicidade por que o logo é assim ou assado. Para o consumidor, o logo tem um papel bem definido: identificar quem está vendendo, falando, fabricando, ofertando. Não apenas o logo, mas todos os elementos da uma identidade de marca, sejam eles visuais, verbais ou outrem. Ele só precisa saber se aquela bateria para o carro dele é Moura. Ou Heliar. Ou qualquer outra marca que é de preferência dele.
Daniel, você está denegrindo nossa profissão ao dizer isso.
Não não, estou apenas tendo uma visão não-romantizada de qual é meu papel com meus clientes.
Sim o Design é extremamente necessário, mas precisamos entender por quais motivos ele é. Brigitte B. de Mozota diz em seu excelente livro Gestão do Design que a demanda pelo design é resultado “da busca de diversificação pelos fabricantes e pela geração de novas necessidades por meio da inovação.” Diferenciação, poder de persuasão, imposição, determinação de públicos desejados e etc. Se não entendemos onde o nosso trabalho de fato é importante, vamos sempre estar presos ao limbo da especulação visual. E aí o simples nunca será uma saída viável. Em casos assim, o complexo se torna sinônimo de bom projeto e o design, que deveria transitar por todos os aspectos do projeto e da empresa, passa a orbitar em torno de uma suposta complexidade-originalidade-poderosa-em-diferenciar, e deixar de orbitar no que importa: consumidores e solução de problemas.
Não estou defendendo que o visual não é importante, ou que simples é melhor ou pior que complexo. Ao contrário, estou defendendo que o visual é importante dentro do seu contexto, que design simples sim pode ser uma excelente solução, no contexto correto. Contudo não é de complexidade visual (ou simplicidade) que as marcas vivem.
Isso é tão verdade que podemos citar o já lendário caso da PepsiCo que em 2008/09 mudou a embalagem do seu famoso suco Tropicana e que acabou sendo um total fracasso. Porquê? Por que as pessoas não conseguiam mais identificar o produto nas gôndolas.
Em uma de minhas palestras costumo colocar o símbolo da Starbucks na tela e perguntar para a platéia: o que é isso?. Nos minutos que vem depois argumento que trata-se, entre muitas outras coisas, de um identificador, de um representante de uma experiência. E é apenas essa experiência que irá determinar se eu vou gostar ou não daquele logo.
Poucos, bem poucos, são os que olham e dizem “hmmm essa sereia de duas caldas está semi-nua, não vou levar meus filhos de nesse lugar.” Quero dizer, poucos são os que farão uma análise “técnica/semiótica” do que está ali desenhado.
Ou você conhece alguém que faz esse tipo de análise:”Não vou comprar esse refrigerante porque o logo não tem cara de refrigerante. É só um nome branco escrito em um fundo vermelho-sangue-de-boi.”
Sim! A Coca-Cola é só um lettering cursivo branco em cima de um canvas vermelho. Isso é tão f*cking simple que chega irritar. E alguém desconfia da Coca-Cola por conta de sua simplicidade na comunicação? Vou mais além: alguém acha que a falta de complexidade nos elementos usados e na forma que são aplicados denota falta de trabalho dos designers? Cara, é bem pelo contrário.
Case: Coca-Cola simplifica
A Coca-Cola acaba de passar por alguns anos de estudos, testes e tentativas de resolver um problema seríssimo pelo qual passavam: marca fragmentada. Sim, a Coca também foi infectada pelo Brandlis Fragmenteds. Um problema complexo, muito complexo de resolver, até porque trata-se de uma marca que atua em todos os continentes do planeta.
Anos de testes, tentativas e de pesquisas. ANOS! Até que conseguiram chegar a atual solução que está sendo aplicada no mundo todo: um circulo vermelho. Sim. Um. Círculo. Vermelho.
Uma solução simples, mas matadora! E veja bem: o problema era complexo, muito complexo. Mas a solução, simples de morrer. Está acompanhando a linha de raciocínio? Veja só algumas imagens do processo desse trabalho, liderado pela brasileira Cris Grether diretora do time global de Design da marca.
Para te contextualizar ainda mais nesse complexo, grandioso e extenso projeto da Coca-Cola, veja esse video da Cris Grether falando de como foi o processo de trabalho. Repare que ela cita o problema do projeto, a estratégia e até o objetivo principal do projeto. O que é mais bacana de perceber é que o processo de redesign passou, invariavelmente, por enxugar o visual, tirar a quantidade gigante de elementos que estavam lá, incluindo o Dinamic Ribbon (a onda!): apesar de ser uma das marcas que habita o Olimpo do Branding, legal ver o processo interno de perceber e aceitar que, apesar do elemento projetado pela Lippincott em 1970 ser um grande ativo visual da marca, ele não se comportava bem nas embalagens.
Pra mim, a frase mais emblemática da Cris Grether nesse video trata exatamente do que acredito ser o real cerne do nosso trabalho com o Designers: a solução de problemas.
“A única coisa que estava definida era o problema que a gente tinha que resolver. O problema não era o One Brand Strategy, mas sim como tangibilizar essa estratégia para nosso universo de milhões de tipos de embalagem.”
#LágrimasNosOlhos #QueProjeto #QueMulher
Quer complexidade: vamos falar de Gestão do Design
A não-complexidade visual revela que ele (o visual) só é parte de um todo muito maior, esse por sua vez muito complexo. Daí temos o que chamamos de Gestão do Design, que é também o caso da Coca-Cola.
A grande razão da existência da gestão unificada de Design foi que, em algum momento, grandes empresas perceberam que gerenciar tudo de maneira organizada traria ganhos financeiros e melhor poder de comunicação e persuasão. A empresa alemã AEG contratou Peter Behrens em 1906 e o fez o primeiro gestor de Design da história da indústria. Behrens foi responsável por arquitetura, produtos, manuais e até logotipo e comunicação da marca. Tudo isso tinha um propósito bem claro: resolver a complexidade de uma grande industria e apresenta-la de forma simples aos seus públicos. Claro, essa visão permeia a empresa e sua marca até hoje.
É ai que reside meu argumento: o Design busca resolver problemas complexos de maneira simples. O visual, nesse caso, torna-se uma interface que abre as portas para pessoas que nada sabem sobre essa empresa, sobre sua história, seus valores, seu posicionamento e seus produtos/serviços e as permitem entrar e ser parte daquilo (comprar!).
Mesmo que o trecho acima possa parecer meio poético, ele guarda algo poderoso: o design tem que facilitar e não complicar!
Poxa Daniel, mas você está usando dois colossos do capitalismo, Coca-Cola e AEG, para fazer um comparação com uma empresa regional de baterias de um país de terceiro mundo. Aí não vale!
Sem dúvida há um abismo enorme entre Coca/AEG e essa empresa de baterias. Hoje existem mais empresas formadas por até 5 pessoas do que mega corporações. Entretanto as necessidades que o Design Gráfico atende ainda são bem parecidas: organizar para impactar, assinar para identificar.
A complexidade está no verdadeiro exercício de nossa profissão: resolver problemas (e não ser decorador)
Sim, grandes marcas tem seus logos de forma simples, passíveis de serem reproduzidos por qualquer pessoa com o mínimo de habilidade com lápis e papel (podemos passar o dia todo citando várias delas). Mas chegar a soluções simples não é uma tarefa simples! Paradoxal, mas imensamente verdadeiro!
Logo a complexidade do design não está no logo, mas em gerenciar esse mesmo logo e outros ativos visuais e verbais a fim de construir um sistema único que seja identificável em qualquer suporte de aplicação; está em identificar todos os problemas que a marca passa e conseguir projetar algo que seja uma pronta resposta a todos esses problemas. A TODOS! Se duvida, pergunte ao Hugo Kovadolff e sua experiência em projetos de identidade visual para bancos. Por exemplo, a simplicidade do símbolo do banco Bamerindus não era atestado de facilidade. Projetar uma identidade para funcionar em ene tipos de prédios, impressos, sinalizações e etc não pode ser considerado fácil.
Portanto podemos afirmar que o design não é algo com o fim em si mesmo. Isso tem outro nome: arte! Design é o condutor, ele é o meio, uma ferramenta usada para atingir um objetivo maior: organizar a marca, ajudar no reconhecimento, trazer identificação, empatia, entregar os valores da marca em poucas imagens, falar a linguagem correta, da forma correta, com o público correto.
Costumo dizer aos meus alunos que os grandes designers são especializados em detecção de problemas, e que o visual é só uma ferramenta de solução, e não algo com o fim de si mesmo.
Ter, nesse caso, um logotipo e/ou símbolo que pode ser reproduzido por qualquer pessoa não é demérito. Trata-se de uma solução para muitos problemas. Essa (falsa) percepção de que qualquer um pode fazer Design simples, o que por consequência torna o Design em algo “sem valor”, prejudica clientes e designers. Como disse Stuart Tolley nesse curto artigo tirado do seu livro, “talvez as pessoas tenham essa visão deturpada por que, ao verem peças de Design Gráfico simples, aquilo simplesmente salta aos olhos por funcionar, por ser equilibrado e ser direto em comunicar. Não tem texturas para todos os lados, filtros, diversas camadas e ornamentos. Logo, onde está o esforço disso?”
O que Tolley deseja mostrar é que, no fim, o design sim é mais complexo do que aparenta ser.
O Design não é para o seu prazer
Cito Robert Bringhurst em seu livro Elementos do Estilo Tipográfico, onde ele argumenta sobre o papel da boa tipografia. Eu trocaria tipografia por design, para poder dizer:
Em um mundo repleto de mensagens que ninguém pediu pra receber, o design precisa frequentemente chamar a atenção para si próprio antes de ser lido. Para que ela seja lido, precisa contudo abdicar da mesma atenção que despertou. O design que tem algo a dizer aspira, portanto, ser uma espécie de estátua transparente: chama atenção mas, ao receber o olhar, deixa transparecer o que realmente importa para o observador: seu conteúdo.
Apesar do livro usar tal argumento para a tipografia (que eu propositalmente substitui por design) não é só a tipografia que precisa realizar tal proeza. O design de usabilidade de um produto digital deve ser focado em facilitar a vida e o uso das pessoas, e não em sua forma visual em si. Talvez essa a principal bala que derrubou o skeumorfismo há alguns anos. E nem por isso podemos falar que um app hoje é menos complexo.
Usando a fala do personagem de Denzel Washington no filme Deja Vu, eu não entendo como funciona um celular e toda a complexidade envolvida em fazer minha voz sair no aparelho de outra pessoa em outra cidade/país. Mas eu sei como usar um celular. E é disso que eu preciso.
Conclusão
Soluções visuais simples nunca serão atestado de falta de complexidade de projeto, falta de complexidade de problemas que foram resolvidos, falta de complexidade na gestão e implementação, falta de complexidade na aprovação, falta de criatividade da equipe/profissional, falta de dificuldade no projeto. E a graça da nossa profissão, que é tão pouco compreendida, é exatamente essa: precisamos resolver grandes problemas de forma simples, direta, bela, categórica. É um grande funil, onde a entrada é muito larga e cheia de conteúdo, e a saída deve ser uma mísera gota, um resumo, uma síntese, algo que resolve todos (ou quase todos) os problemas apresentados lá em cima do funil.
Design é passar por tudo isso, e ainda conseguir resolver os problemas da marca com um círculo vermelho.
Estamos falando de entregar várias informações para as pessoas de forma simples. O complexo que conduz ao simples. Se o designer não fizer isso, falha em seu exercício.
O design é uma interface. Ele deve facilitar, simplificar, tornar acessível. A grande magia do design é essa: tornar o complexo, o confuso, o incompreensível em algo simples, de fácil entendimento, direto. A complexidade tem que residir nos problemas a serem resolvidos e na equalização deles, e não na forma resultante.
Artista incompreendido é gênio. Designer incompreendido é incompetente.
PS: o empreendedor não quis fazer o projeto com a gente, preferiu continuar sua busca pelo “profissional complexo-criativo ideal”.
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