Aloha!
Como prometi no meu primeiro texto desse ano (redesign American Airlines), estou voltando a rotina de artigos no LOGOBR. E hoje vou comentar um pouco sobre o redesign que a NIVEA anunciou em janeiro.
A NIVEA é uma marca com mais de 100 anos, lançada em 1911 pela visão de três empreendedores que viram em um creme estável a base de água e óleo, chamado de Eucerit, a possibilidade de um produto cosmético como nada que existia até então. Com o Eucerit em mãos, eles precisavam apenas de um nome. E foi olhando para o produto e sua coloração que chegaram a NIVEA, nome que veio dos termos latinos nix (neve) e nivis (de neve). Em dezembro daquele ano era lançado o NIVEA Creme na Alemanha, produto que em menos de três anos estaria em todos os continente do planeta.
Em 2011, a NIVEA era um monstro: €5 bilhões de faturamento, €3,5 bilhões de valor de marca, mais de 20 mil funcionários, presença em mais de 170 países e uma quantidade imensa de produtos. E como qualquer empresa desse tamanho, o crescimento traz a famosa síndrome do “não temos identidade” (HP, é você?).
Entre 2010 e 2011 a liderança da empresa já havia percebido que sua valiosa marca sofria dessa esquizofrenia típica de grandes corporações e tentou dar uma organizada. Sem muito sucesso. Tanto na nova arquitetura como nas embalagens.
Percebendo como essa bagunça é uma diluidora voraz de reconhecimento, unidade e identidade de marca, a BeiersdorfAG, dona da marca NIVEA, em colaboração com o designer Yves Béhar, repensou toda sua arquitetura de marca e identidade, o que culminou no redesenho do design aplicado ao logo e as embalagens.
Para a difícil tarefa, Yves se inspirou no começo da empresa, no seu mais importante e conhecido produto: o NIVEA Creme. Sua embalagem circular foi usada desde 1911, mas o minimalismo e a cor azul apareceram somente em 1925. Desde então, a embalagem vem passando por redesenhos e atualizações, mas sem nunca perder a forma, o estilo e a cor característicos.
Yves e sua equipe foram felizes em buscar na história da marca uma identidade para organiza-la. Sem invenções, sem explicações mirabolantes. Somente o símbolo mais forte da marca sendo usado como deve. E não apenas logo, mas as embalagens também foram repensadas. Claro, não haveria sentido organizar a arquitetura da marca sem organizar seu principal ponto de existência. E mais uma vez, Yves foi extremamente feliz e competente no trabalho.
Algo interessante de observar é como que o novo logo, dado sua simplicidade, foi trazido ao mundo físico, sendo usado como tampa para as novas embalagens. Não sei vocês, mas sou fã demais de logos que podem estar no mundo físico.
É evidente que marcas que crescem desordenadamente, uma hora ou outra irão passar por processos como esse que a NIVEA está passando (que a HP quase passou). O minimalismo é usado no projeto com tamanha elegância e diligência e fica impossível dizer que foi um caminho errado, ou mesmo que poderia ser melhor. Essa embalagens, no ponto de venda, irão ser as estrelas. Tudo bem que em farmácias o uso de embalagens brancas é defeaut, mas não com esse nível e cuidado com o design, tanto gráfico quanto da embalagem e si. As tampas em ângulo, dependendo de como os produtos forem colocados nas gôndolas, criarão uma mancha azul que, bem provavelmente, ficará belíssima. Uma ótimo diferencial para a briga nas prateleiras.
Ao ver apenas essas imagens que sairam junto com o anuncio do redesign, eu imaginvaa a aposentadoria da Helvetica (Extended) e a unificação do uso tipográfico. Mas olhando mais de perto o video de lançamento, encontrei uma imagem no mínimo reveladora:
• Clique na imagem para zoom •
Mas e o kerning “NI”?
Quando esse projeto foi pra rua, vi muitos designers no Facebook e Twitter dizendo coisas como “eu melhoraria o kerning entre N e I”, “belo redesign mas ainda não aprovo o posicionamento do I” e etc. Ficou bem evidente que o assunto espacejamento é pouco conhecido e por isso resolvi (com toda humildade) não apenas falar sobre isso e dar meu ponto de vista, mas como também chamar um dos caras que mais respeito quando se trata de tipografia. Vamos lá:
Vivemos uma época onde o grid é o deus quando se trata do desenho de símbolos. Até de logotipos com as famosas letras geométricas. Entretanto algo que o pessoal acaba por esquecer, ou mesmo não tomar conhecimento, é o que na tipografia o óptico é mais importante do que a matemática. E isso acontece simplesmente porque nossos olhos são extremamente sacanas com a gente. Um rápido exemplo:
As formas acima possuem exatamente a mesma altura (matemática). Percebam como o círculo e a parte superior do triângulo parecem menores que os quadrados, principalmente quando estão em tamanhos diminutos. Isso acontece pois apenas uma pequena parte do circulo e da ponta do triângulo está “tocando a linha superior”. Pura ilusão de óptica. Por questões como essas que no desenho de letras, algumas formas precisam ser compensadas. No caso da imagem abaixo, o circulo e a ponta do triângulo estão levemente além das linhas dos quadrados.
E o mesmo princípio de compensação óptica se aplica no desenho das letras e no espacejamento delas.
O tracking refere-se aos espaços laterais que existem entre as letras (glifos). Seu objetivo é que, sem importar qual letra venha antes e depois, que exista o mesmo espaço matemático entre as letras (glifos). Isso pode parecer certo em um primeiro momento, mas é errado aos olhos.
No exemplo abaixo, temos um conjunto de letras com formas bem distintas usando a mesma distância no espacejamento. Reparem como no caso dos “Os” temos a nítida impressão de que o espaço é maior do que no caso dos “Hs”.
Em casos como esse que então temos o kerning, que existe para fazer compensações entre pares específicos de letras. É uma série de ajustes inevitáveis que devem ser feitos por consequência de que o tracking, em muitas ocasiões, é insuficiente para se conseguir um espaçamento óptico, que seja harmonioso aos olhos.
No exemplo a baixo, o espacejamento dentro as letras “O” foi alterado. Com um número menor, temos a sensação de um espacejamento mais próximo do que existe entre as letras “H”. Isso acontece pois o tracking não leva em consideração os espaços adjacentes que se criam entre os “Os” (pintados de azul claro), mas o olho humano sim. Quando diminuímos o espacejamento entre elas, a impressão de espaço igual existe por conta dessa parte que o tracking não leva em consideração.
Resumindo: espacejar letras não diz respeito à matemática, diz respeito as contra-formas das letras e em como elas se relacionam umas com as outras. Em um logotipo, diz respeito a como todas as letras se relacionam entre si. Pura óptica. Pense numa garrafa de água: um bom espacejamento faz com que “caiba a mesma quantidade de liquido entre dois ‘Hs’ e entre dois ‘Os’.”
• Reparem as compensações nas pontas do V e A, como mostramos no primeiro exemplo acima •
E é por questões ópticas que o espaço entre “NI” no logo da Nivea parece ser maior, quando na verdade os outros pares de letras estão compensando a distância opticamente. Por conta do V e do A, todas as outras letras quase encostam umas nas outras. Pura óptica. Pura compensação de contra-formas, para que a palavra escrita fique com um ritmo mais harmonioso.
Antes de encerrar, quero só mostrar como ficaria esse logotipo se todos os pares de letras tivessem as mesma distância que existe entre “NI”, levando em consideração que nesse caso eles (“IVEA”) que foram ajustados.
Mas quem esse rapaz do LOGOBR pensa que é para falar sobre kerning, tracking e tipografia?
Sim, eu também pensei assim. Por isso fui conversar com um cara que admiro quando se trata de tipografia, alguém com quem tenho aprendido muito: Fabio Haag.
Ele é diretor da DaltonMaag Brasil e é responsável, entre outros, pelas tipografias oficiais das Olimpíadas Rio 2016 e da recém lançada família da Petrobrás. Claro, além de ter desenhado a família Foco, que é a fonte oficial do LOGOBR.
Escrevi para o Haag pedindo sua opinião sobre o espacejamento do logotipo da NIVEA, como especialista. Eis sua resposta:
Afirmar que o espacejamento entre ‘NI’ está errado é uma atitude precipitada. Posso entender porque algumas pessoas pensem isso, porém precisamos nos lembrar que nunca enxergamos letras, ou pares delas, de forma isolada. Observem o enorme espaço em ‘branco’ entre as todas as demais letras, ‘IVEA’; espaço inevitavelmente amplo, devido as formas e a combinação intrincada destas letras. Sendo assim, o espaço entre ‘NI’ é necessário e coerente.
Neste logotipo, me incomoda mais a ausência de ajustes ópticos sutis nos pesos das diagonais. Claramente nas letras ‘V’ e ‘A’, onde as diagonais se encontram existe excesso de peso, que poderia ser compensado para trazer mais equilíbrio à composição. Na letra ‘A’ isso torna-se mais problemático pois empurra para baixo a barra da letra e sua contra-forma. Por final, ajustes ainda mais sutis de peso poderiam ser bem vindos: menos peso nas letras ‘N’ e ‘A’ e um pouco mais de peso nas letras ‘I’ e ‘V’.
Um super obrigado ao Haag pela honra de podermos contar com sua participação.
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